sábado, 23 de outubro de 2010

VIDA DE SANTO AGOSTINHO (354 - 430)

Santo Agostinho – Biografia Pensamentos










SUMÁRIO

Introdução

1 Biografia

1.1 Cristão

1.2 Bispo

2 Obras

3 Pensamento

4 Influência como pensador e teólogo

5 Notas e referências

6 Bibliografia



















VIDA DE SANTO AGOSTINHO (354 - 430)




Aurélio Agostinho, Bispo de Hipona

Introdução

Os Santos Padres da Igreja. Aurélio Agostinho, Bispo de Hipona. O maior Padre da Igreja Latina. Grande defensor da Fé Cristã. Popular Santo Agostinho de Hipona. Nascimento: 13 de novembro de 354 em Tagaste, Argélia. Falecimento: 28 de agosto de 430 em Hipona, Argélia. Venerado por: maioria das comunidades cristãs. Principal templo: San Pietro in Ciel d'Oro, Pávia, Itália. Festa litúrgica: 28 de agosto no Ocidente

15 de junho no Oriente. Atribuições: criança, pomba, pena (de escrever), concha, coração trespassado. Bispo de Hipona, Padre latino e Doutor da Igreja (Doctor Gratiae). Padroeiro: teólogos, agostinianos, cervejeiros e impressores. Polêmicas: contra o maniqueísmo, o donatismo, o arianismo etc. Santo Agostinho: homem de paixão e de fé, de grande inteligência e incansável solicitude pastoral, este grande santo e doutor da Igreja é muito conhecido, pelo menos de fama, também por quem ignora o cristianismo ou não tem familiaridade com ele, porque deixou uma marca muito profunda na vida cultural do Ocidente e de todo o mundo. Pelo seu singular relevo, Santo Agostinho teve uma influência vastíssima, e poder-se-ia afirmar, por um lado, que todas as estradas da literatura latina cristã levam a Hipona (hoje Annaba, à beira-mar da Argélia), o lugar onde era Bispo e, por outro, que desta cidade da África romana, da qual Agostinho foi Bispo de 395 até à morte em 430, se ramificam muitas outras estradas do cristianismo sucessivo e da própria cultura ocidental.

Raramente uma civilização encontrou um espírito tão grande, que soubesse acolher os seus valores e exaltar a sua intrínseca riqueza, inventando idéias e formas das quais se alimentariam as gerações vindouras, como ressaltou também Paulo VI: "Pode-se dizer que todo o pensamento da antiguidade conflui na sua obra e dela derivam correntes de pensamento que permeiam toda a tradição doutrinal dos séculos sucessivos" (AAS 62, 1970, p. 426). Além disso, Agostinho é o Padre da Igreja que deixou o maior número de obras. O seu biógrafo Possídio diz: parecia impossível que um homem pudesse escrever tantas coisas durante a vida. Falaremos destas diversas obras num próximo encontro. Hoje a nossa atenção concentra-se sobre a sua vida, que se reconstrói bem pelos escritos, e em particular pelas Confissões, a extraordinária autobiografia espiritual, escrita em louvor a Deus, que é a sua obra mais famosa. E são precisamente as Confissões agostinianas, com a sua atenção à interioridade e à psicologia, que constituem um modelo único na literatura ocidental, e não só, também não religiosa, até à modernidade. Esta atenção à vida espiritual, ao mistério do eu, ao mistério do Deus que se esconde no eu, é uma coisa extraordinária sem precedentes e permanece para sempre, por assim dizer, um "vértice" espiritual. Mas, falando da sua vida, Agostinho nasceu em Tagaste na Província de Numídia, na África romana a 13 de Novembro de 354, filho de Patrício, um pagão que depois se tornou catecúmeno, e de Mônica, cristã fervorosa. Esta mulher apaixonada, venerada como santa exerceu sobre o filho uma grandíssima influência e educou-o na fé cristã. Agostinho recebeu também o sal, como sinal de acolhimento no catecumenato. E permaneceu sempre fascinado pela figura de Jesus Cristo; aliás, ele diz que amou sempre Jesus, mas que se afastou cada vez mais da fé eclesial, da prática eclesial, como acontece hoje com muitos jovens.

Agostinho tinha também um irmão, Navígio, e uma irmã, da qual não sabemos o nome e que, tendo ficado viúva, chefiou depois um mosteiro feminino. O jovem, de inteligência aguda, recebeu uma boa educação, mesmo se nem sempre foi um estudante exemplar. Contudo ele estudou bem a gramática, primeiro na sua cidade natal, depois em Madaura, e a partir de 370 retórica em Cartago, capital da África romana: dominava perfeitamente a língua latina, mas não conseguiu dominar do mesmo modo o grego nem aprendeu o púnico, falado pelos seus conterrâneos. Em Cartago Agostinho leu pela primeira vez o Hortensius, um escrito de Cícero que depois se perdeu, o qual está na base do seu caminho rumo à conversão. De fato, o texto de Cícero despertou nele o amor pela sabedoria, como escreverá já Bispo, nas Confissões: "Aquele livro mudou verdadeiramente o meu modo de sentir", a ponto que "de repente perdeu valor qualquer esperança vã e desejava com um incrível fervor do coração a imortalidade da sabedoria" (III, 4, 7).

Mas estando convencido de que sem Jesus não se pode dizer que se encontrou efetivamente a verdade, e dado que neste livro apaixonante lhe faltava aquele nome, logo após tê-lo lido começou a ler a Escritura, a Bíblia. Mas ficou desiludido. Não só porque o estilo latino da tradução da Sagrada Escritura era insuficiente, mas também porque o próprio conteúdo lhe pareceu insatisfatório. Nas narrações da Escritura sobre guerras e outras vicissitudes humanas não encontrava a altura da filosofia, o esplendor de busca da verdade que lhe é próprio. Contudo, não queria viver sem Deus e assim procurava uma religião que correspondesse ao seu desejo de verdade e também ao seu desejo de se aproximar de Jesus. Caiu assim na rede dos maniqueus, que se apresentavam como cristãos e prometiam uma religião totalmente racional. Afirmavam que o mundo está dividido em dois princípios: o bem e o mal. E assim se explicaria toda a complexidade da história humana. Agostinho apreciava também a moral dualista, porque implicava uma moral muito alta para os eleitos: e para quem, como ele, a ela aderia, era possível uma vida muito mais adequada à situação do tempo, sobretudo para um homem jovem. Portanto, tornou-se maniqueu, convencido naquele momento de ter encontrado a síntese entre racionalidade, busca da verdade e amor a Jesus Cristo. E teve também uma vantagem concreta para a sua vida: de fato, a adesão aos maniqueus abria perspectivas fáceis para fazer carreira. Aderir àquela religião que contava muitas personalidades influentes permitia-lhe prosseguir a relação estabelecida com uma mulher e continuar a sua carreira. Desta mulher teve um filho, Adeodato, por ele muito querido, muito inteligente, que estará depois presente na preparação para o baptismo junto do lago de Como, participando naqueles "Diálogos" que Santo Agostinho nos transmitiu. Infelizmente o jovem faleceu prematuramente. Professor de gramática aos vinte anos na sua cidade natal, regressou cedo a Cartago, onde foi um brilhante e celebrado mestre de retórica. Todavia, com o tempo, Agostinho começou a afastar-se da fé dos maniqueus, que o desiludiram precisamente sob o ponto de vista intelectual porque não esclareceram as suas dúvidas, e transferiu-se para Roma, e depois para Milão, onde na época residia a corte imperial e onde obtivera um lugar de prestígio graças ao interesse e às recomendações do prefeito de Roma, o pagão Símaco, hostil ao Bispo de Milão, Santo Ambrósio.

Em Milão Agostinho adquiriu o costume de ouvir inicialmente para enriquecer a sua bagagem retórica as lindíssimas pregações do Bispo Ambrósio, que tinha sido representante do imperador para a Itália setentrional, e pela palavra do grande prelado milanês o retórico africano sentiu-se fascinado; e não só pela sua retórica, sobretudo o conteúdo atingiu cada vez mais o seu coração. O grande problema do Antigo Testamento, da falta de beleza retórica, de elevação filosófica resolveu-se, nas pregações de santo Ambrósio, graças à interpretação tipológica do Antigo Testamento: Agostinho compreendeu que todo o Antigo Testamento é um caminho rumo a Jesus Cristo. Encontrou assim a chave para compreender a beleza, a profundidade também filosófica do Antigo Testamento e percebeu toda a unidade do mistério de Cristo na história e também a síntese entre filosofia, racionalidade e fé no Logos, em Cristo Verbo eterno que se fez carne.

Em breve tempo Agostinho deu-se conta de que a literatura alegórica da Escritura e a filosofia neoplatônica praticadas pelo Bispo de Milão lhe permitiam resolver as dificuldades intelectuais que, quando era jovem, na sua primeira abordagem aos textos bíblicos, lhe pareciam insuperáveis.

À dos escritos dos filósofos Agostinho fez seguir-se a leitura renovada da Escritura e, sobretudo das Cartas paulinas. A conversão ao cristianismo, a 15 de Agosto de 386, colocou-se no ápice de um longo e atormentado percurso interior, do qual falaremos noutra catequese, e o africano transferiram-se para o campo a norte de Milão, nas proximidades do lago de Como com a mãe Mônica, o filho Adeodato e um pequeno grupo de amigos a fim de se preparar para o baptismo. Assim, aos trinta e dois anos, Agostinho foi baptizado por Ambrósio a 24 de Abril de 387, durante a vigília pascal, na Catedral de Milão.

Depois do baptismo, Agostinho decidiu regressar à África com os amigos, com a ideia de praticar uma vida comum, de tipo monástico, ao serviço de Deus. Mas em Óstia, à espera de partir, a mãe improvisamente adoeceu e pouco mais tarde faleceu, dilacerando o coração do filho. Regressando finalmente à pátria, o convertido estabeleceu-se em Hipona para ali fundar um mosteiro. Nesta cidade da beira-mar africana, apesar das suas resistências, foi ordenado presbítero em 391 e iniciou com alguns companheiros a vida monástica na qual pensava há tempos, dividindo os seus dias entre a oração, o estudo e a pregação. Ele desejava estar só ao serviço da verdade, não se sentia chamado à vida pastoral, mas depois compreendeu que a chamada de Deus era para ser pastor entre os outros, e oferecer assim o dom da verdade aos demais. Em Hipona, quatro anos mais tarde, em 395, foi consagrado Bispo. Continuando a aprofundar o estudo das Escrituras e dos textos da tradição cristã, Agostinho foi um Bispo exemplar no seu incansável compromisso pastoral: pregava várias vezes por semana aos seus fiéis, apoiava os pobres e os órfãos, cuidava da formação do clero e da organização de mosteiros femininos e masculinos. Em pouco tempo o antigo rectórico afirmou-se como um dos representantes mais importantes do cristianismo daquele tempo: muito activo no governo da sua diocese com notáveis influências também civis nos mais de 35 anos de episcopado, o Bispo de Hipona exerceu grande influência na guia da Igreja católica da África romana e mais em geral no cristianismo do seu tempo, enfrentando tendências religiosas e heresias tenazes e desagregadoras como o maniqueísmo, o donatismo e o pelagianismo, que punham em perigo a fé cristã no Deus único e rico em misericórdia.

E a Deus se confiou Agostinho todos os dias, até ao extremo da sua vida: atingido por febre, quando havia três meses que Hipona estava assediada pelos vândalos invasores, o Bispo narra o amigo Possídio na Vita Augustini pediu para transcrever em letras grandes os salmos penitenciais "e fez pregar as folhas na parede, de modo que estando de cama durante a sua doença os podia ver e ler, e chorava ininterruptamente lágrimas quentes" (31, 2). Transcorreram assim os últimos dias da vida de Agostinho, que faleceu a 28 de Agosto de 430, quando ainda não tinha completado 76 anos. Dedicaremos os próximos encontros às suas obras, à sua mensagem e à sua vicissitude interior.

O conteúdo de fé proposto pelo cristianismo nascente sofreu transformações ao longo dos séculos, até a consolidação do seu corpo filosófico, teológico e doutrinal. Processo que levou o cristianismo a perder seu caráter de doutrina aparentemente simples, constituída por algumas regras de conduta moral exortadas por Cristo, desprovida de preocupação filosófica, por não se constituir num conjunto de idéias produzidas e sistematizadas pela razão.

Essa orientação primeira do cristianismo nascente ganhou maiores dimensões com o diálogo que foi obrigado a estabelecer com a cultura clássica, tendo em vista atender aos interesses que se colocavam com as novas necessidades para além das fronteiras palestinas.

Papel significativo nesse processo, em fins da antiguidade, tiveram os padres da igreja que se dedicaram na elaboração de textos a respeito da fé e da revelação divina. O conjunto desses textos ficou conhecido como “Filosofia Patrística”.

Nesse cenário, destaque especial teve Santo Agostinho1 que, na tentativa de conciliar fé e razão, promoveu a harmonização de elementos da filosofia clássica com fragmentos dos Padres Cristãos que o antecederam.

1 Aurelius Augustinus (Santo Agostinho), que viveu entre 354 a 430 da nossa era, nasceu em Tagaste –África, província romana da Numídia, atual Argélia. Através de Cícero tem contato com a filosofia, que desde então é utilizada como base em suas reflexões. Nesse espaço de tempo Agostinho tem seu único filho, Adeodato, com sua amante, não a assumindo devido à pressão da família, por ela não pertencer a sua classe social. No período que compreende os anos 373 e 374, Agostinho leciona em Tagaste e Cartago, como resultado de seus estudos desenvolvidos em Madura e Cartago em 365 e 370, respectivamente. Quando Agostinho passa a lecionar em Roma e Milão, ele abandona a seita maniqueísta e descobre o estoicismo, atendo-se fundamentalmente aos escritos de Plotino. É nessa época também que Agostinho lê as cartas de Paulo de Tarso, o que viria a influenciar profundamente suas reflexões. Então, converte-se ao cristianismo no ano de 386 da nossa era. A pedido do povo torna-se presbítero de Hipona (hoje Annaba ou Bone, na Argélia), na qual mais tarde se tornaria Bispo. Em 430, Agostinho deixa a “cidade dos homens” para penetrar na “cidade de Deus”.



Santo Agostinho e seu Tempo



Aurelius Augustinus (Santo Agostinho) viveu entre 354 a 430 da nossa era. Este espaço de tempo foi de intensa agitação política no ocidente, pois o Império Romano mantinha sob domínio grande parte desse território e continuava sua expansão tanto na Europa quanto na África. Assim, muitos povos estavam sujeitos a ser vítimas das invasões bárbaras2, inclusive o que habitava Tagaste - África, província romana da Númidia, atual Argélia, onde Agostinho nasceu. De acordo com Henri-Irénée Marrou (1957), este povo aventureiro (os bárbaros) que um périplo estupendo conduzira, num curto espaço da vida de um homem, do fundo das planícies húngara e silesiana, através da Europa inteira, até a Espanha e Gibraltar, para ir destruir o poderio romano na África do Norte e em Cartago. Devido à localização da cidade natal de Santo Agostinho – aproximadamente 180 Km a leste de Constantina e a 100 ao sul de Bône – este foi considerado um romano da África. Sendo esta uma terra literalmente latina, o latim serviu-lhe como vínculo de cultura e também como língua materna, sendo até mesmo adversa a língua e a cultura grega. Assim, segundo Henri-Irénée Marrou (1957), a cultura que Santo Agostinho recebeu e possuiu foi literária e, sobretudo, latina, pois já então começava a se aprofundar o fosso, rompendo a unidade da civilização mediterrânea, que iria separar cada vez mais o oriente grego do ocidente. - “Mas

qual era a causa da aversão que tinha à língua grega que me ensinavam quando criança? É o que ainda hoje me não sei explicar. “Pelo contrário, gostava muito da língua latina, não da que ensinavam os primeiros mestres, mas da que lecionavam os gramáticos”. (AGOSTINHO,1999, p. 51).

A biografia de Agostinho é relatada no livro que ele mesmo redigiu. “As Confissões”, que segundo Siqueira Abrão (1999, p. 97); “É quase uma demonstração na prática de seu pensamento: experimentou o ceticismo quanto ao conhecimento, sofreu o abismo do homem em pecado, reencontrou a esperança na graça divina, conheceu a felicidade e a certeza da verdade na fé”. Assim, pode-se afirmar que Agostinho não nasceu santo, porém sua conversão e a formulação de sua teoria teve um caráter ideológico3 tão forte que perdura até nossos dias. 2 Os povos bárbaros, neste caso, são grupos nômades oriundos da Ásia Central, que, pressionados pelos hunos do extremo oriente, invadiram as províncias romanas da Península Ibérica, Itália e África do Norte. “As ideologias, ou às utopias, ou às visões de mundo, todas elas são produtos sociais. Todas elas têm que ser analisadas em sua historicidade, no seu desenvolvimento histórico, na sua transformação. O ceticismo agostiniano ao qual o autor se refere, compreende ao período dos dezoito anos, quando Agostinho através dos escritos de Cícero (106 – 43 a.C.), especificamente a leitura da “Exortação à Filosofia”, satisfaz-se com a filosofia maniqueísta4, pois, acreditava que esta era digna de um intelectual culto, ao contrário do catolicismo que era uma religião boa para os simples como sua mãe Mônica. “O que senti, quando tomei nas mãos aquele livro [a bíblia], não foi o que acabo de dizer, senão que me pareceu indigno de compará-lo à elegância ciceroniana. A sua simplicidade repugnava ao meu orgulho e a luz da minha inteligência não lhe penetrava no íntimo” (AGOSTINHO, 1999, p. 84). Isso se deve ao fato de que o ponto capital desta religião revelada era de definir como uma doutrina científica, demonstrada pela razão, assim o maniqueísmo resolvia de maneira cômoda o problema moral, permitindo unir de modo paradoxal o ideal mais elevado com o procedimento mais fácil, preconizando um asceticismo rigoroso, muito mais absoluto que o dos cristãos (MARROU, 1957).

Estes conflitos teóricos do pensador são frutos dos seus estudos, período que compreende dos sete aos dezenove anos (365 e 370), interrompidos aos dezesseis por falta de dinheiro. Os primeiros anos foram realizados em uma escola primária na cidade natal e, depois, em uma escola secundária em Madura. Os estudos superiores foram iniciados em Madura e retomados em Cartago5. A base da educação de Santo Agostinho foi a retórica, arte de falar e conseqüentemente de escrever, que consistia num complexo sistema de divisões e de definições, por isso, era necessário anos de estudos para que se dominasse essa arte.

É nesse espaço de tempo que Santo Agostinho tem seu único filho, Adeodato, com sua

amante, não a assumindo devido à pressão da família, principalmente de Santa Mônica, por ela não pertencer à mesma classe social. Esse casamento ainda seria ilegal, porque a

legislação dos imperadores proibia aos honestiores, como Santo Agostinho, desposarem de histórica. Portanto, essas ideologias ou utopias, ou visões de mundo têm que ser desmistificadas na sua pretensão a uma validade absoluta. Uma vez que não existem princípios eternos, nem verdades absolutas, todas as teorias, doutrinas e interpretações da realidade, têm que ser vistas na sua limitação histórica. Esse é o coração mesmo do método dialético, é o primeiro elemento do método e da análise dialética” (LOWY 1985, p.15).

O maniqueísmo foi o último grande movimento religioso no oriente depois do Cristianismo e antes do Islamismo, os princípios dessa seita se pautavam em dois princípios absolutos que regiam o mundo: o bem o mal. (cf. RANKE-HEINEMANN, 1999; ANDERY et al, 2001 e ABRÃO 1999). 5 Cartago, cidade da África romana que depois de Roma é a maior cidade do Ocidente latino. mulheres de baixa extração. Pouco se sabe sobre esta mulher6, cujo nome é desconhecido. Mesmo nas obras dedicadas a ela o autor refere-se a “aquela que foi amada por Agostinho”: “por esses anos tinha em minha companhia uma mulher que não havia sido reconhecida em matrimônio o que se chama legítima, e que fora procurada por um inquieto ardor, falho de prudência” (AGOSTINHO, 1999, p. 100).

Torna-se um maniqueu de primeira classe ou “eleito”, pois, não desposava mais de uma mulher. Os que desfrutavam dessa regalia eram denominados “de segunda classe” ou“ouvintes”, aos quais era permitido o matrimônio desde que não gerassem filhos, almejando com isso que centelhas de luz ficassem aprisionadas na matéria diabólica. (RANKEHEINEMANN, 1999). Santo Agostinho permanece na seita maniqueísta em torno de nove a dez anos, ou seja, até quando esta se revelou o que de fato era: uma mitologia de fantasia, afastada do rigor filosófico. “Meu Deus, a Vós o confesso, a Vós que de mim Vos compadeceste quando ainda Vos não conhecia, quando Vos buscava não segundo a compreensão da inteligência, mas segundo o raciocínio da carne” (AGOSTINHO, 1999, p.88).

No período que compreende os anos de 373 a 374, Santo Agostinho leciona retórica em
Tagaste e Cartago, “Ensinava por aqueles anos retórica; e, vencido pela cobiça, vendia esta vitoriosa verbosidade” (AGOSTINHO, 1999, p. 100). Quando passa a lecionar em Roma e Milão, entra em contato com os intelectuais católicos após conhecer Santo Ambrósio. É nesta época também que descobre o estoicismo7 - “deparaste-me por intermédio de um certo homem, intumescido por monstruoso orgulho, alguns livros platônicos, traduzidos do grego para o latim” (AGOSTINHO, 1999, p. 183).

Atentou-se fundamentalmente aos escritos de Plotino8, um dos nomes mais relevantes para a constituição da filosofia neoplatônica. Foi encontrado na literatura uma obra de Jostein Gaarder (1997) que se intitula: Vita Brevis: A Carta de Flória Emília Para Aurélio Agostinho. Que seria a carta que a amante de Santo Agostinho lhe escrevera após ler suas confissões. Porém não se sabe ainda a veracidade dessa carta, segundo a autor no prefácio do livro esta carta é verdadeira e a biblioteca do vaticano tem conhecimento desta. O estoicismo era visto como uma doutrina que, com ligeiros retoques, parecia capaz de auxiliar a fé cristã e tomar consciência da própria estrutura interna e defender-se com argumentos racionais elaborando-se como teologia. (cf. RANKE-HEINEMANN, 1999; ANDERY et al, 2001 e ABRÃO1999).
 Plotino nasceu em 205 e morreu em 270. chega a Alexandria por volta de 232 e estuda com um certo Amônio Sacas, de quem nada sabe. Em 243, acompanha a expedição do imperador romano Gordiano. Este acontecimento foi decisivo e serviu para orientar toda a evolução intelectual e espiritual de Agostinho. Num ápice foram superadas todas as dificuldades: a descoberta do mundo inteligível, e de sua eminentemente realidade, dissipava as aberrações do materialismo; uma teoria do conhecimento, imbuída de certo dogmatismo raciocinado, eliminava o raciocínio da Academia Nova, tão cara a Cícero, pela qual Agostinho, num momento de desânimo, estivera a ponto de se deixar tentar (MARROU, 1957, p.33).

Neste período Santo Agostinho atém-se também às cartas de Paulo de Tarso, o que viria a influenciar profundamente nas suas reflexões. Então, tem-se a mais famosa cena das confissões: Em Milão, num dia qualquer de agosto de 386 da era cristã, um homem de trinta e dois anos de idade chorava nos jardins de sua residência.

Deprimido e angustiado, estava à procura de uma resposta definitivaque lhe desse sentido para a vida. Nesse momento ouviu uma voz decriança a cantar como se fosse um refrão: “Toma e lê, toma e lê”. Levantou-se bruscamente, conteve a torrente de lágrimas, olhou emtorno para descobrir de onde vinha o canto, mas não viu mais que umlivro sobre uma pequena mesa. Abriu e leu a página caída por acasosobre seus olhos: “Não caminheis em glutonarias e embriaguez, não nos prazeres impuros do leito e em leviandades, não em contendas e emulações, mas revesti-vos de Nosso Senhor Jesus Cristo, e não cuideis da carne com demasiados desejos” (PESSANHA, 1999, p. 05).

De acordo com Marrou (1957), a conversão ao cristianismo apresentou-se como ligada intimamente a uma conversão à vida perfeita, ao ideal monástico de asceticismo e decastidade, a decisão estava tomada, tanto de ingressar na Igreja como de renunciar ao mundo. Então, em 387, ele é batizado juntamente com Alípio, um amigo, e Adeodato, seu filho. Após a conversão do maniqueísmo para o cristianismo, Santo Agostinho transita da afirmação do prazer e da negação da procriação para o seu contrário, negando o prazer e estabelecendo a procriação como princípio fundamental da união conjugal. Assim, ele realiza o desejo da mãe, Santa Mônica, que lutara por isso toda a vida, pois, era uma cristã fervorosa que lhe ensinou até a Pérsia, onde, ao que se diz, teria sofrido influência do pensamento místico do oriente. Pouco depois, em Roma, abre uma escola. (cf. ABRÃO 1999).

Ao contrário do que possa sugerir o termo neoplatonismo, Plotino não representa apenas uma retomada do platonismo. Ele, na verdade, evita o dualismo de Platão, que, ao separar tão radicalmente o mundo inteligível do mundo sensível, foi obrigado a admitir a existência do outro (mundo), da idéias. (cf. ABRÃO 1999). Desde criança a conhecer e amar o nome de Cristo Salvador, diferente de seu pai, Patrício e pagão, que só se converte pouco antes de morrer. Com o propósito de se dedicar à vocação religiosa, após esse período conturbado, Santo Agostinho retorna a Tagaste e funda uma espécie de comunidade monástica, que tem como objetivo uma produção teórica a partir da meditação teológica. Porém, seus estudos são interrompidos, pois, a pedido do povo, torna-se presbítero de Hipona (hoje Annaba ou Bone, na Argélia), na qual mais tarde se tornaria bispo. Assim, este fato pode ser analisado por dois pontos: um negativo, porque com este título e com os encargos atribuídos ao mesmo, pouco tempo restou para a continuação de sua produção teórica. E, por outro lado positiva uma vez que foi através dela que Santo Agostinho pôde se aproximar dos aspectos da fé popular. Mas, ele não teve esse reflexo de defesa do intelectual ameaçado em seus estudos, pois aceitou propor o amor pela vida contemplativa às exigências de um ministério que cedo se revelou exaustivo.
Transformou-se realmente, num intelectual passado a serviço do povo, saído da torre de marfim das pequenas preocupações pessoais. Responsável perante Deus por uma comunidade inteira, abre-se mais largamente aos problemas concretos e ao conhecimento da vida e do homem. (MARROU, 1957, p.36).
Considerando, assim, que seu pensamento teria mais finalidade se redigido do que “pregado”, Santo Agostinho começa a se ocupar menos com as funções da igreja para dedicar um tempo maior à escrita, porém, é só nos últimos anos de sua vida, em 426 – com sessenta e dois anos , que isso acontece. Suas funções eclesiásticas são designadas ao seu sucessor Heráclito.
Estava cônscio que a obra escrita não constituía o lado menos importante de sua vida. Possuía sentimento vivo de ser útil a igreja inteira, tanto a de seu tempo como a do futuro: vemo-lo, ao cabo da existência, preocupado em pôr seus livros em ordem, em catalogá-los, revisá-los e em assegurar-lhes a conservação – para a posteridade. (MARROU, 1957, p. 47).
No mesmo período, ano 430, em que Hipona está cercada pelos vândalos, Santo Agostinho deixa a “cidade dos homens” para adentrar na “Cidade de Deus”.
Os séculos IV e V, em que Agostinho vive, caracterizam-se na passagem do mundo grecoromano para a Idade Média. Neste período, a filosofia perde sua confiança na razão e mergulha no ceticismo, com exceção do neoplatonismo ( SIQUEIRA ABRÃO, 1999). É então que Santo Agostinho consegue concretizar a conciliação paradoxal entre fé e razão, a qual ele denomina “Filosofia Cristã”, que é fruto da continuidade da filosofia dos santos padres, a filosofia patrística10.

De certo modo, ele próprio representa essa passagem: nutriu-se dos resquícios da cultura helenística para depois converter-se a fé cristã. Ao romper com o passado, introduzindo uma noção de Deus alheia a filosofia de até então, Agostinho o faz de um modo que caracteriza uma certa continuidade da tradição filosófica.(SIQUEIRA ABRÃO, 1999, p. 99)

Toda a obra de Santo Agostinho tem como base a Sagrada Escritura, pois para ele, esta é fonte de toda a verdade, toda a doutrina, é o centro da cultura cristã e de toda a vida espiritual – o conhecimento provém, portanto, de fonte divina, eterna e imutável, e não humana. Assim segundo Marrou (1957), ele assimilou a Bíblia como na juventude aprendera assimilar Cícero e Virgílio: seu estilo dela se esmalta da mesma forma como, apesar dos esforços que tenha feito, continua sempre impregnado de formulas clássico, mesmo sendo seu pensamento inteiramente inspirado no paulinismo.

O estilo de Agostinho reflete simultaneamente segurança própria do retórico dotado de recursos infinitos e a sensibilidade de uma natureza extremamente rica: nada de cerebralismo ressequido que reduz tudo a um esquema de idéias puras. Mas uma emotividade intensa, de ressonância indefinidamente prolongada (...) pois esse pensador é também, como fora Platão, um artista do verbo, um grande escritor que soube forjar processos de expressão de maravilhosa eficácia para exprimir com suas concepções originais. (MARROU, 1957, p. 65)

A maior parte dos escritos de Santo Agostinho é inspirada em problemas concretos que preocupavam a igreja da época, por isso, sua produção teórica está concentrada após sua conversão ao catolicismo, principalmente nos tratados de teologia moral, como: sobre a virgindade, o valor do matrimônio e também a instrução dos catecúmenos, que se torna um manual de orientação aos que seriam iniciados nos mistérios da fé.

10 A filosofia patrística tem como objetivo mostrar-se não-oposta às verdades racionais do pensamento helênico, tão prezados pelas autoridades romanas, para isso, é no próprio pensamento grego e romano que ela busca sua fundamentação teórica, revestindo-os com a ideologia cristã. (ver mais: SIQUEIRA ABRÃO, 1999; PESSANHA, 1999.)



O Processo Educativo para Santo Agostinho

O processo educativo para Santo Agostinho passa pela busca interior do homem, assumindo um caráter educacional, de auto-educação. Segundo José J. Pereira Melo (2002), a educação em Santo Agostinho é concebida como processo mediante o qual o ‘homem exterior’ material, mutável e mortal ia cedendo lugar espaço para o ‘homem interior’, espiritual, imutável e imortal. Transformação que se dava à medida que o homem se aproximava e se familiarizava com Cristo: a verdade, a palavra de Deus que se fez homem. “Vuelve ao corazón, mira allí qué es-lo que tal vez sientes de Dios: allí está la imagen de Dios. En el hombre interior habita Cristo, y el hombre interior serás renovado según la imagen de Dios; conece en su imagen a su Creador” (AGUSTÍN, 1957, p.11).

Dessa forma, o processo educativo para Santo Agostinho se torna uma longa caminhada de purificação moral e intelectual. Fazendo com que o homem chegasse à verdade com seu ‘olho interior’, o ‘olho da mente’, ao captar a essência do conhecimento. “É próprio de todos os homens quererem ser felizes, mas nem todos possuem a fé para chegar à felicidade pela purificação do coração” (AGOSTINHO, 1995, p.20-25).

Essa busca seria resultado da insatisfação natural do homem consigo mesmo o que o levaria a uma busca do melhoramento pessoal, ou seja, a caminhada educativa. Dessa forma, a busca pela felicidade agora estaria em Deus e não mais na filosofia como para os filósofos da antiguidade (PEREIRA MELO, 2002).

A educação seria, então, destinada àqueles que não tinham medo de buscar a felicidade completa em Deus, tornando-se, assim, um processo de santificação, onde o homem à medida que se aproxima de Deus, aproxima-se, concomitantemente, do verdadeiro conhecimento. Para Santo Agostinho o homem é incapaz de realizar sozinho esse processo educativo, mesmo que o deseje e necessite, e que sua felicidade esteja nisso vinculada (PEREIRA MELO, 2002). Pois, para ele, a felicidade não está no conhecimento possibilitado pela razão e pelas ciências, ou seja, pela sensação. Mas está no próprio Deus que é o conhecimento e a sabedoria perfeita.

Nessa perspectiva, a sabedoria é o conhecimento de Deus por meio de seu filho Jesus Cristo, uma vez que, só Ele é a luz que ilumina a inteligência humana.

Nesse mesmo processo, para Pereira Melo (2002), Santo Agostinho impunha ao homem constantemente, a presente alternativa: viver segundo a carne e debilitar e romper a relação com Deus, caindo no pecado; ou viver segundo o espírito, confirmando a relação com o próprio Deus.

Assim, para o bispo de Hipona, quem seguisse esse caminho chegaria ao ideal, o renascimento do ‘homem espiritual’, e o primeiro passo nesse sentido era se afastar dos prazeres terrestres, o que trazia consigo a felicidade, a contemplação do bem maior. Assim, estabelece-se uma relação direta entre o conhecimento, a felicidade e Deus. E a felicidade é um dom do sábio.



A INSTRUÇÃO DOS CATECÚMENOS



O catecumenato torna-se a partir do século III d.C. a principal ferramenta de cristianização do homem romano, sendo assim, todos os esforços dos intelectuais cristãos voltam-se para a organização desse ‘novo’ saber. Uma vez que, a educação dos adultos atribuía uma importância fundamental a catequese. Tamanha consideração era dada pois se tratava da transmissão da fé, concomitante, os valores para organização de uma sociedade cristã. Esta obra proposta por Santo Agostinho vai ao encontro das necessidades da igreja de seu tempo. Pois ele a destina ao homem destemido e determinado a ser feliz de acordo com os princípios da fé. Assim é promulgado um novo ideal de homem e são destacados princípios até então considerados negativos no mundo antigo como a fraqueza, a tolerância e a compaixão (CAMBI, 1999).

A estrutura do catecumenato constituía-se em quatro etapas formativas para o catecúmeno ser inserido na vida cristã:

1 – os accedentes ou os rudes porque careciam dos rudimentos da fé;

2– os cathechumeni no oriente ou os auditores no ocidente, primeira classe dos que desejavam preparar-se para o batismo;

3 – os competentes ou electi, os que seriam iluminados;

4 – e por último, após o batismo na noite de Páscoa os neófitos eram instruídos nos mistérios e nos sacramentos (PAIVA, 2005).


Esta obra exprime então a expectativa fundamental da vida cristã, pois ela, demonstra a

importância atribuída à conquista de novos cristãos. A organização didática da transmissão da fé tornou-se fundamental, pois, era neste primeiro contato com o pensamento cristão que os rudes optavam ou não a entrarem para o catecumenato com vista ao batismo.

Encarregado de ensinar os rudimentos da fé aos candidatos do catecumenato, o diácono

Deogratias sentia-se angustiado ao notar que suas exposições não agradavam e até mesmo aborreciam os ouvintes: “Confessas e lamentas o que te sucede com freqüência quando, em sermão longo e monótono, não apenas aquele que instruis pela palavra aos demais ouvintes, mas tu mesmo te sentes diminuído e cheio de desgosto de ti” (AGOSTINHO, 2005, p.38).

Ao dividir esta aflição com seu amigo Agostinho, já nomeado Bispo de Hipona, ele não se recusa a colocar-se a reflexão e a disposição de Deogratias para a elaboração de um manual prático-didático de como catequizar, já que se tratava de uma questão fundamental: a transmissão dos princípios cristãos.

Pedes-me, irmão Deogratias, que te escreva algo que te ajude na instrução dos catecúmenos. Dizes-me que, freqüentemente, em Cartago, onde és diácono, são-te encaminhados os que devem receber a primeira instrução catequética – pela consideração da tua fecunda capacidade de catequizar, pela solidez da tua fé, pela doçura da tua palavra: e tu, quase sempre, te angustias procurando a maneira exata

pela qual deva ser ensinada essa doutrina que, pela fé, nos torna cristãos (AGOSTINHO, 2005, p.38).

Neste tratado Santo Agostinho explicita então as principais preocupações sobre a transmissão dos rudimentos da fé: “por onde começar? Até onde levar a narração?

Ao terminá-la, devemos dirigir uma exortação ao nosso ouvinte ou tão-somente ensinar-lhes os preceitos em cuja observância aprenderá a acreditar na vida e na revelação cristãs?” (SANTO AGOSTINHO, 2005, p.38).

Nesta perspectiva, ele organiza um trabalho de introdução sobre os fundamentos, o modo e a aplicação do catequizar, contendo elementos de fundamentação e aplicação da catequese. Santo Agostinho divide o tratado em três partes, outorgando o caráter prático e didático dessa obra:

1 – como conduzir a narração;

2 – arte de dar preceitos e exortar; e

3 – meios de adquirir alegria e bom humor.

De acordo com Hugo Paiva (2005) Santo Agostinho não inovou o conteúdo da catequese, baseada no percurso das escrituras sagradas, “o que é especifico de Santo Agostinho é a elaboração de uma síntese refletida e profunda dos princípios que orientam a narração catequética da História da Salvação” (PAIVA, 2005, p.14).

A narração de acordo com Santo Agostinho deve ser divida em dois momentos: a narratio e a expectatio. A primeira se refere à exposição dos acontecimentos salvíficos e a segunda diz respeito à esperança da ressurreição que gera o amor.

A exposição deve contemplar os acontecimentos mais significativos e reveladores da

intervenção de Deus: “Estes são a criação de Adão, o dilúvio, a aliança com Abraão, a realeza e sacerdócio de Davi, a libertação do cativeiro, a encarnação e ressurreição” (PAIVA, 2005, p.15).

Estes acontecimentos estão inseridos na divisão didática cristã que Santo Agostinho propõe para a história da humanidade ou a ‘História da Salvação’. As “sete épocas capitais que Santo Agostinho dividia a História são: de Adão a Noé; de Noé a Abraão, de Abraão a Davi; de Davi ao cativeiro de Babilônia; fim do cativeiro a Cristo; de Cristo à Parusia” (PAIVA, 2005, p.15)

Segundo Santo Agostinho o catequista deve contemplar e revelar essencialmente o conteúdo teológico destes conteúdos, a fim de demonstrar e fundamentar a fé para os catecúmenos.

A ‘unidade de desígnio’ tem como objetivo demonstrar em um fato histórico o principio

religioso, uma realidade interior, para seu desenvolvimento.

Há como que um fio condutor que faz descortinar um caminho que remete sempre para além, para Deus, de tal modo que os acontecimentos são a um tempo realizações parciais e sinais. Em outras palavras, realizam e prometem, antecipam e comprometem,

revelam e ocultam um desígnio de amor que não é outro senão Cristo, verdadeiro sentido e de decifração da História. Nele se totalizam e se recapitulam o ontem o hoje e o amanhã (PAIVA, 2005, p.15).



Assim, o desenvolver desses fatos demonstram o desígnio do amor de Cristo, que se torna o único sentido de decifração da História, e ao mesmo tempo é a força motriz que a impulsiona.

Assim, a normas para narração são ao mesmo tempo o modo em que Deus conduziu seu povo a salvação.

Desse modo, é desvelado o objetivo da catequese. Inserida em uma unidade mais ampla que é a totalidade da História da Salvação Humana, Santo Agostinho revela o verdadeiro objetivo a ser alcançado pelos catecúmenos: entender o desígnio de amor.

Pois, só assim, o amor será entendido como uma realidade permanente que dá unidade e

continuidade à História. “O objetivo da catequese da História da Salvação é, pois, suscitar uma expectativa ou uma vida, cheia de fé, esperança e amor que, a partir da manifestação das escrituras, descobre o Amor agindo em toda a História Humana” (PAIVA, 2005, p.18)

A narração ou o ‘ato de instruir pela palavra’ deve alcançar seu objetivo final ao fundamentar a fé, suscitar a esperança e alimentar o amor. “Por esse amor, portanto, como por um alvo proposto, pelo qual digas tudo o que dizes, o que quer que narres faze-o de tal forma que aquele que te ouve, ouvindo creia e, crendo, espere e, esperando, ame” (AGOSTINHO, 2005, p.49).

O processo doutrinal pela catequese proposto por Santo Agostinho não divide o ensino moral do ensino das escrituras, pois, a moral é entendida como em seu aspecto cotidiano, assim, ela acontece concomitante aos ensinamentos e deve ser aplicada no cotidiano, por isso, o ponto de partida metodológico da catequese é o concretismo do próprio homem. A fé deve ser manifestada na vida ou não existe, por isso, crer é a atitude fundamental para a realização do processo educativo cristão.

Desse modo, o método catequético Agostino fundamenta-se fundamentalmente na obra e nas maneira de agir de Deus. É pensada também com o intuito de conduzir o homem a este caminho de descoberta da fé e da salvação.



Biografia



Agostinho, em um afresco de Sandro Botticelli



Aurélio Agostinho nasceu na cidade de Tagaste, província de Souk Ahras, na época uma província romana no norte de África, na atual Argélia, filho de pai pagão, chamado Patrício e mãe católica, Mônica. Foi educado no norte de África e resistiu aos ensinamentos de sua mãe para se tornar cristão. Agostinho teve uma juventude repleta de aventuras. Foi professor de retórica em Milão.

Aurélio Agostinho (em latim: Aurelius Augustinus), Agostinho de Hipona,[1] ou Santo Agostinho[2] (Tagaste, 13 de novembro de 354 - Hipona, 28 de agosto de 430), foi um bispo, escritor, teólogo, filósofo e é um Padre latino e Doutor da Igreja Católica.

Agostinho é uma das figuras mais importantes no desenvolvimento do cristianismo no Ocidente. Em seus primeiros anos, Agostinho foi fortemente influenciado pelo maniqueísmo e pelo neoplatonismo de Plotino,[3] mas depois de tornar-se cristão (387), ele desenvolveu a sua própria abordagem sobre filosofia e teologia e uma variedade de métodos e perspectivas diferentes.[4] Ele aprofundou o conceito de pecado original dos padres anteriores e, quando o Império Romano do Ocidente começou a se desintegrar, desenvolveu o conceito de Igreja como a cidade espiritual de Deus (em um livro de mesmo nome), distinta da cidade material do homem.[5] Seu pensamento influenciou profundamente a visão do homem medieval. A Igreja se identificou com o conceito de "Cidade de Deus" de Agostinho, e também a comunidade que era devota de Deus.[6]

Na Igreja Católica, e na Igreja Anglicana, é considerado um santo, e um importante Doutor da Igreja, e o patrono da ordem religiosa agostinha. Muitos protestantes, especialmente calvinistas, o consideram como um dos pais teólogos da Reforma Protestante ensinando a salvação e a graça divina.

Na Igreja Ortodoxa Oriental ele é louvado, e seu dia festivo é celebrado em 15 de junho, apesar de uma minoria ser da opinião que ele é um herege, principalmente por causa de suas mensagens sobre o que se tornou conhecido como a cláusula filioque.[7] Entre os ortodoxos é chamado de "Agostinho Abençoado", ou "Santo Agostinho o Abençoado".[8]

Maniqueísta converteu-se ao cristianismo em 386, por influência da sua mãe e do bispo de Milão Ambrósio. Em 391 foi ordenado sacerdote e quatro anos depois bispo de Hipona. Faleceu em 430, durante a tomada de Hipona pelos vândalos. Procurou conciliar a filosofia grega, sobretudo a de Platão, com a religião cristã.

Agostinho era de ascendência berbere. Com onze anos de idade, foi enviado para a escola em Madaura, uma pequena cidade da Numídia. Lá ele tornou-se familiarizado com a literatura latina, bem como práticas e crenças do paganismo. Em 369 e 370, ele permaneceu em casa.

Durante esse período ele leu o diálogo Hortensius de Cícero (hoje perdido), que deixou uma impressão duradoura sobre ele e despertou-lhe o interesse pela filosofia e passou a ser um seguidor do maniqueísmo.

Com dezessete anos, graças à generosidade de um concidadão, chamado Romaniano, o pai de Agostinho pode enviá-lo para Cartago para continuar sua educação na retórica. Vivendo como um pagão intelectual, ele tomou uma concubina; numa tenra idade, ele desenvolveu uma relação estável com uma mulher jovem em Cartago, com a qual teve um filho, Adeodato.

Durante os anos 373 e 374, Agostinho ensinou gramática em Tagaste. No ano seguinte, mudou-se para Cartago a fim de ocupar o cargo de professor da cadeira municipal de retórica, e permanecerá lá durante os próximos nove anos.

Desiludido pelo comportamento indisciplinado dos alunos em Cartago, em 383, mudou-se para estabelecer uma escola em Roma, onde ele acreditava que os melhores e mais brilhantes retóricos ensinaram. No entanto, Agostinho ficou desapontado com as escolas romanas, que ele encontrou apática. Quando chegou o momento para os seus alunos para pagar os seus honorários eles simplesmente fugiram.

Amigos maniqueístas apresentaram-lhe o prefeito da cidade de Roma, Symmachus, que tinha sido solicitado a fornecer um professor de retórica imperial para o tribunal provincial em Milão. Agostinho ganhou o emprego e ocupou o cargo no final de 384.[9]

Cristão



Agostinho recebe o batismo das mãos de Ambrósio



O cristianismo estava consolidado nessa época: embora tivesse apenas quatrocentos anos, era considerada a verdade irrefutável. Apesar disso, Santo Agostinho, que nasceu no norte da África, numa cidade chamada Tagaste, nem sempre foi cristão. Fez os primeiros estudos na cidade natal e, com a ajuda de um amigo, foi para Cartago, aos dezesseis anos, completar os estudos superiores. Não foi um bom aluno. Na juventude, detestava estudar grego. Interessou-se por filosofia ao ler uma obra de Cícero. Quando criança era cristão, mas depois passou por outras religiões, como a dos maniqueus, que formavam uma seita e dividiam o mundo entre o bem e o mal, treva e luz, espírito e matéria. Acreditavam que com o seu espírito, o homem pode transcender a matéria. O maniqueísmo contém uma visão dualista radical, bem e mal são tomados como princípios absolutos. Posteriormente, Agostinho combateu essa doutrina, que foi criada por Manes. De início ele recusava a ler a Bíblia, por considerá-la vulgar. Teve um caso de amor, envolto em paixões mundanas, e nasceu um filho, que falecido ainda adolescente. Com vinte anos, perdeu o pai e ficou sendo o responsável pelo sustento de duas famílias. Foi professor de retórica em Cartago, mas depois se mudou para Roma. Sua mãe foi contra a mudança e Agostinho teve de enganá-la na hora da viagem. De Roma foi para Milão, lecionar retórica. Muito influenciado pelos estóicos, por Platão e o neoplatonismo, também estava entre os adeptos do ceticismo. Abandonou o maniqueísmo, que critica. Converteu-se então à fé cristã, depois de conhecer a palavra do apóstolo Paulo, e batizou-se aos trinta e dois anos de idade. Desistiu do cargo de professor e voltou a Tagaste, onde fundou uma comunidade monástica, disposto a fundamentar racionalmente a fé, como foi comum na Idade Média. Mostrou que, sem a fé, a razão não é capaz de levar à felicidade. A razão, para Agostinho serve de auxiliar a fé, esclarecendo e tornando inteligível aquilo que intuímos. Ele tinha tomado contato com o pensamento neoplatônico onde a natureza humana contém parte da essência divina. Demonstrou que há limites para a racionalidade. Receberemos um saber que está além do natural. Com o cristianismo, uma luz inundou seu coração, sua alma encontrou a paz. Virou vigário aos trinta e seis anos, praticando a vida ascética.

Santo Agostinho escreveu Contra os Acadêmicos, direcionado à filosofia cética e expôs a teoria de que os sentidos dizem algo verdadeiro. O erro provém do juízo que fazemos das sensações, e não delas próprias. A sensação não é falsa, o que é falso é querer ver nelas uma verdade externa ao próprio sujeito. Virou Bispo de Hipona.

Agostinho ficou conhecido por “cristianizar” Platão, fazendo vários paralelos entre a parte espiritualista dele (que diz existir um mundo transcendente) e as Sagradas Escrituras. Faz a distinção entre o corpo, sujeito à sorte do mundo, e a alma, que é atemporal, e com a qual se pode conhecer Deus. Antes de Deus ter criado o mundo a partir do nada as Idéias eternas já existiam na sua mente. Deus é a bondade pura. Ele já conhece o que uma pessoa vai viver antes dela viver. Assim, apesar da humanidade ter sido amaldiçoada depois do pecado original, alguns alcançarão a verdade divina, a salvação. Isso depende do uso que fazemos do livre arbítrio, a faculdade que o indivíduo tem de determinar de acordo com a sua própria consciência a sua conduta, livre da Divina Providência, enquanto está vivo. Seria o ato livre de decisão, de opção. Durante um diálogo, Agostinho chega a conclusão que o mal não provém de Deus, mas sim do mau uso do livre arbítrio. De fato, para ele não existe mal, apenas a ausência de Deus. (com isso ele refuta de vez a doutrina dos maniqueus). Essa teoria encontra-se no livro O livre arbítrio.

Com uma vida errada, a alma fica presa ao corpo, porém a relação correta é a inversa. Os órgãos sensoriais sentem a ação dos elementos exteriores, a alma não. Deus é a fonte dos conhecimentos perfeitos e não o homem. A experiência mística leva à iluminação divina. Assim se chega às verdades eternas, e o intelecto então é capaz de pensar corretamente a ordem natural divina. A unidade divina é plena e viva, e guarda a multiplicidade. O amor de Deus é infinito. A graça e a liberdade complementam-se.

Na obra a Cidade de Deus, Agostinho faz oposição entre sensível e inteligível, alma e corpo, espírito e matéria, bem e mal e ser e não ser. Acrescenta a história à filosofia, interpretando a história da humanidade como o conflito entre a Cidade de Deus, inspirada no amor à Deus e nos valores que Cristo pregou, presentes na Igreja, e a Cidade humana, baseada nos valores imediatos e mundanos. Essas cidades estariam presentes na alma humana, e no final a Cidade de Deus triunfaria.

Outra obra importante são as Confissões, que é autobiográfica. Essa obra faz dele um precursor de Descartes, Rousseau e o existencialismo. Acredita na verdade contida nos números, que fazem parte da natureza.

Enquanto ele estava em Milão, Agostinho mudou de vida. Ainda em Cartago, começou a abandonar o maniqueísmo, em parte devido a um decepcionante encontro com um chefe expoente da teologia maniqueísta, Fausto.[9]

Em Roma, ele relata ter completamente se afastado do maniqueísmo, e abraçou o movimento cético da Academia Neoplatónica. Sua mãe insistia para que ele se tornasse cristão e também seus próprios estudos sobre o neoplatonismo também foram levando-o neste sentido, e seu amigo Simplicianus instou-o dessa forma também. Mas foi a oratória do bispo de Milão, Ambrósio, que teve mais influência sobre a conversão de Agostinho.

A mãe de Agostinho havia-o seguido para Milão e insistiu para que abandonasse a relação com a mulher com quem vivia ilegalmente e procurasse outra para casar, conforme as leis do mundo e a doutrina cristã. A amada foi mandada de volta para a África e Agostinho deveria esperar dois anos para contrair casamento legal; mas logo ligou-se a uma concubina.[9]

No verão de 386, após ter lido um relato da vida de António do Deserto, de Atanásio de Alexandria, que muito inspirou-lhe, Agostinho sofreu uma profunda crise pessoal. Decidiu se converter ao cristianismo católico, abandonar a sua carreira na retórica, encerrar sua posição no ensino em Milão, desistir de qualquer ideia de casamento, e dedicar-se inteiramente a servir a Deus e às práticas do sacerdócio.

A chave para esta transformação foi à voz de uma criança invisível, que ouviu enquanto estava em seu jardim em Milão, que cantava repetidamente, "Tolle, lege"; "tolle, lege" ("toma e lê"; "toma e ler"). Ele tomou o texto da epístola de Paulo aos romanos, e abriu ao acaso em 13:13-14, onde lê-se: "Não caminheis em glutonerias e embriaguez, nem em desonestidades e dissoluções, nem em contendas e rixas, mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não procureis a satisfação da carne com seus apetites".[9]

Ele narra em detalhes sua jornada espiritual em sua famosa Confissões (Confessions), que se tornou um clássico tanto da teologia cristã quanto da literatura mundial. Ambrósio batizou Agostinho, juntamente com seu filho, Adeodato, na vigília da Páscoa, em 387, em Milão, e logo depois, em 388 ele retornou à África. Em seu caminho de volta à África sua mãe morreu, e logo após também seu filho, deixando-o sozinho, sem família.

EPISCOPADO

Após o regresso ao Norte da África, vendeu seu patrimônio e deu o dinheiro aos pobres. A única coisa com que ele ficou foi a casa da família, que se converteu em uma fundação monástica para si e um grupo de amigos.

Em 391, ele foi ordenado sacerdote em Hipona (atual Annaba, na Argélia). Em 396, foi eleito bispo coadjutor de Hipona (auxiliar, com o direito de sucessão depois da morte do bispo corrente) e pouco depois bispo principal. Ele permaneceu nessa posição em Hipona até sua morte em 430.[9]

Ele deixou o seu mosteiro, mas continuou a levar uma vida monástica na residência episcopal. Ele deixou uma regra (latim, regulamentos) para seu mosteiro que o levou ser designado o "santo padroeiro do clero regular", isto é, sacerdotes que vivem por uma regra monástica.





Tumba de Agostinho na Basílica de São Pedro em céu de ouro em Pávia.

Sua vida foi registrada pela primeira vez por seu amigo São Possídio, bispo de Calama, no seu Sancti Augustini vita. Descreveu-o como homem de poderoso intelecto e um enérgico orador, que em muitas oportunidades defendeu a fé católica contra todos seus inimigos.

Possídio também descreveu traços pessoais de Agostinho com detalhe, desenhando um retrato de um homem que comia com parcimónia, trabalhou incansavelmente, desprezando fofocas, rejeitando as tentações da carne, e que exerceu a prudência na gestão financeira conforme sua posição e autoridade de bispo.

Sua vida não é tranquila: missa diária, prega até duas vezes ao dia, dá catequese, administra bens temporais, resolve questões de justiça (cerca, muro, dívidas, brigas de família…), atende aos pobres e órfãos, etc.

Pouco antes da morte de Agostinho, a África romana foi invadida pelos vândalos, uma tribo guerreira que estava aderindo ao arianismo. Pouco depois de Hipona ser cercada pelos bárbaros Agostinho adoeceu; Possídio relata que ele gastou seus últimos dias em oração e penitência, pedindo para que os salmos penitenciais de Davi fossem pendurados em sua parede para que ele pudesse ler. Pouco tempo após sua morte, os vândalos levantaram o cerco de Hipona, mas não muito tempo depois eles voltaram e queimaram a cidade. Eles destruíram tudo, mas a catedral de Agostinho e a biblioteca ficaram inalteradas.

Agostinho foi canonizado por reconhecimento popular e reconhecido como um Doutor da Igreja. O seu dia é 28 de agosto, o dia no qual ele supostamente morreu. Ele é considerado o santo padroeiro dos cervejeiros, impressores, teólogos e de um grande número de cidades e dioceses.

Obras





Agostinho foi um autor prolífico em muitos géneros — Confissões, A Cidade de Deus; Solilóquios; Contra os Acadêmicos; Sobre a Vida Feliz; Sobre a Ordem; Sobre o Livre Arbítrio; tratados filosóficos, teológicos, comentários de escritos da Bíblia, além de sermões e cartas.

Dele restaram algumas centenas de cartas (Epistulae) e de sermões (Sermones) considerados autênticos. Além disso, deixou 113 obras escritas. Santo Agostinho é chamado de o Doutor da Graça, por sua compreensão sobre o tema.

• Textos autobiográficos:

As suas Confissões (Confesiones), escritas entre os anos 397-398, são geralmente consideradas como a primeira autobiografia. Agostinho descreve sua vida desde sua concepção até à sua então relação com Deus, e termina com um longo discurso sobre o livro do Génesis, no qual ele demonstra como interpretar a Bíblia. A consciência psicológica e auto-revelação da obra ainda impressionam leitores.

No fim da sua vida, Agostinho revisitou os seus trabalhos anteriores por ordem cronológica e sugeriu que teria falado de forma diferente numa obra intitulada Retratações, que nos daria uma imagem considerável do desenvolvimento de um escritor e os seus pensamentos finais.

• Filosóficos:

Diálogos: Solilóquios (Soliloquiorum libri duo), etc.

Contra-acadêmicos (Contra academicos, em que combate o cepticismo).

Disciplinarum libri (é uma vasta enciclopédia com o fim de mostrar como se pode e se deve ascender a Deus a partir das coisas materiais. Não está acabada).

• Apologéticos: Da vida religiosa livro I (De vera religione liber I), etc.

A Cidade de Deus (iniciado c. de 413, terminado 426, uma de suas obras capitais, nela nos oferece uma síntese de seu pensamento filosófico, teológico e político). O De civitate Dei libri XXII.

• Dogmáticos:

Entre 399-422, escreveu A Trindade, uma das principais obras que apoia a crença na Santíssima Trindade de Deus. O De Trinitate libri XV.

Enquirídio (Enchiridion, ad Laurentium ou De fide, spe et caritate liber I, é um manual de teologia segundo o esquema das três virtudes teológicas. Contém uma explicação do Credo, da oração do Padre Nosso e dos preceitos morais da Igreja Católica).

Da fé e do credo livro I (De fide et símbolo liber I), etc.

• Morais e pastorais:

Contra mendacium, Da catequese dos não instruídos livro I (De catechizandis rudibus liber I), Da continência livro I (De continentia liber I), Da paciência livro I (De patientia liber I), etc.

• Monásticos:

Regula ad servos — a mais antiga das regras monásticas do Ocidente.

• Exegéticos:

A Sagrada Escritura teve um papel decisivo para Agostinho. Se pode destacar:

Da doutrina cristã livro IV (De doctrina christiana libri IV (é uma síntese dogmática que servirá de modelo para as Sententiae os pensadores da Idade Média), De Genesi ad litteram libri XII, Da harmonia dos evangelhistas livro IV (De consensu Evangelistarum libri IV (foram escritos em resposta aos que acusavam os evangelistas de contradizer-se e de haver atribuído falsamente a Cristo a divinidade), etc.

• Tratados:

Tratados sobre o evangelho de João (In Iohannis evangelium tractatus), As enarrações, ou exposições, dos Salmos (Enarrationes in Psalmos), etc.

• Polémicos:

Muitas de suas obras tem caráter polêmico por causa dos conflitos que ele enfrentou. Isso levou São Posídio a classificá-las conforme os adversários combatidos: pagãos, astrológos, judeus, maniqueus, priscilianistas, donatistas, pelagianos, arianos e apolinaristas.[9]

De natura boni liber I, Psalmus contra partem Donati, De peccatorum meritis et remissione et de baptismo parvolorum ad Marcellium libri III (de 412, primeira teología bíblica da redencão, do pecado original e da necessidade do batismo), De gratia et libero arbitrio liber I (de 426, em que demonstra a necessidade da graça, da existência do livre arbitrío), De haeresibus, etc.

Pensamento

Em seu livro O livre-arbítrio, Santo Agostinho tenta provar de forma filosófica de que Deus não é o criador do mal. Pois, para ele, tornava-se inconcebível o fato de que um ser tão bom, pudesse ter criado o mal.

A concepção que Agostinho tem do mal, esta baseada na teoria platônica, assim o mal não é um ser, mas sim a ausência de um outro ser, o bem. O mal é aquilo que "sobraria" quando não existe mais a presença do bem. Deus seria a completa personificação deste bem, portanto não poderia ter criado o mal.

No diálogo com seu amigo Evódio, Agostinho tenta explicar-lhe de que a origem do mal está no livre-arbítrio concedido por Deus. Deus em sua perfeição, quis criar um ser que pudesse ser autônomo e assim escolher o bem de forma voluntária. O homem, então, é o único ser que possuiria as faculdades da vontade, da liberdade e do conhecimento. Por esta forma ele é capaz de entender os sentidos existentes em si mesmo e na natureza. Ele é um ser capacitado a escolher entre algo bom (proveniente da vontade de Deus) e algo mau (a prevalência da vontade das paixões humanas).

Entretanto, por ter em si mesmo a carga do pecado original de Adão e Eva, estaria constantemente tendenciado a escolher praticar uma ação que satisfizesse suas paixões (a ausência de Deus em sua vida). Deus, portanto, não é o autor do mal, mas é autor do livre-arbítrio, que concede aos homens a liberdade de exercer o mal, ou melhor, de não praticar o bem.

Influência como pensador e teólogo

Na história do pensamento ocidental, sendo muito influenciado pelo platonismo e neoplatonismo, particularmente por Plotino, Agostinho foi importante para o "baptismo" do pensamento grego e a sua entrada na tradição cristã e, posteriormente, na tradição intelectual europeia. Também importantes foram os seus adiantados e influentes escritos sobre a vontade humana, um tópico central na ética, que se tornaram um foco para filósofos posteriores, como Arthur Schopenhauer e Friedrich Nietzsche, mas ainda encontrando eco na obra de Albert Camus e Hannah Arendt (ambos os filósofos escreveram teses sobre Agostinho).

É largamente devido à influência de Agostinho que o cristianismo ocidental concorda com a doutrina do pecado original. Os teólogos católicos geralmente concordam com a crença de Agostinho de que Deus existe fora do tempo e no "presente eterno"; o tempo só existe dentro do universo criado.

O pensamento de Agostinho foi também basilar na orientação da visão do homem medieval sobre a relação entre a fé cristã e o estudo da natureza. Ele reconhecia a importância do conhecimento, mas entendia que a fé em Cristo vinha restaurar a condição decaída da razão humana, sendo portanto mais importante. Agostinho afirmava que a interpretação da Bíblia deveria ser feita de acordo com os conhecimentos disponíveis, em cada época, sobre o mundo natural. Escritos como sua interpretação do livro bíblico do Gênesis, como o que chamaríamos hoje de um "texto alegórico", iriam influenciar fortemente a Igreja medieval, que teria uma visão mais interpretativa e menos literal dos textos sagrados.

Tomás de Aquino tomou muito de Agostinho para criar sua própria síntese do pensamento filosófico grego e do cristão. Dois teólogos posteriores que admitiram influência especial de Agostinho foram João Calvino e Cornelius Otto Jansenius.



Consdiderações Finais

Agostinho de Hipona (354 - 430) cria e tenta resolver problemas filosóficos pensando em si e nos seus dilemas e inquietudes morais e intelectuais. O que ele expôs como filosofia e teologia foram geralmente respostas para questionamentos seus. As suas investigações têm como centro a próprias características morais e intelectuais.

O objetivo de Agostinho é conhecer a alma, ou seja, a sua própria interioridade e para isso ele tem que passar pelo conhecimento de Deus. Ele busca desvendar os mistérios da fé e esta é o fim das suas inquisições, mas a fé é também uma exigência e guia para que as investigações sejam feitas.

A fé é um antecedente necessário da filosofia de Agostinho e para ele a fé é a percepção de ter sido tocado de alguma forma por Deus. Essa percepção além de mudar a forma de pensar muda também a forma de viver. A filosofia é um meio para melhor pensar, para melhor compreender a fé. Mas a fé não se coloca no lugar da inteligência, a fé incentiva a inteligência, o pensamento é também condição para que exista a fé. O conhecimento também não elimina a fé, esta se torna mais forte através da inteligência. A fé procura e a inteligência localiza e descobre.

Agostinho busca conhecer Deus e a alma, mas para ele essa busca é uma só, pois Deus se faz conhecer no interior da alma. Para conhecer Deus devemos conhecer a nossa alma. É em nossa interioridade que devemos tentar encontrar Deus. Se não buscarmos a nós mesmos, ao mais profundo de nós mesmos, não encontraremos Deus e não vamos conhecê-lo.

Além de Deus ser amor, Deus é a condição para que exista o amor. Para que possamos conhecer o amor de Deus temos que estar amando as outras pessoas. A esse amor aos homens Agostinho chama de amor fraterno ou caridade cristã. Amar a Deus é algo natural e intrínseco à natureza humana, pois somos imagens de Deus nosso criador que é a verdade eterna e a verdadeira eternidade.

Deus é o criador de tudo que existe no tempo, mas ele é criador também do tempo. O tempo começou com a criação, antes dela não existia tempo e Deus está fora do tempo, pois é eterno. Em Deus não existe passado ou futuro, ele é imutável e um ser imutável como Deus vive um eterno presente.

Para agostinho o tempo do homem é medido pela alma e para nós existe um passado e um futuro porque somos seres mutáveis e não podemos viver em um eterno presente. O passado é uma memória guardada na alma e o futuro é a alma que espera os acontecimentos. O presente é um constante deixar de ser tanto do futuro como do passado, é uma intuição. Existem, portanto três tempos presentes, o presente do passado, o presente do presente e o presente do futuro. Esses três tempos encontram-se em nossa alma.

O mal em Agostinho é o amor por si mesmo e o bem é o amor por Deus. Os homens que vivem para amar Deus formam a Cidade de Deus e os homens que vivem para amar a si mesmo formam a Cidade dos Homens. Na cidade de Deus vive-se segundo as regras do espírito e na cidade dos homens vive-se segundo as regras da carne. As duas cidades vivem mescladas uma com a outra desde que iniciou a história da humanidade e assim ficarão até o fim dos tempos. Cada ser humano tem que se questionar para saber a qual das duas ele faz parte.

Deus não criou o mal. Agostinho acreditava que um ser em que só pode residir o bem não pode ser o criador do mal. Tudo que existe é bom e o mal é a ausência desse bem, é a ausência de Deus. Deus nos concedeu o Livre-Arbítrio, que é a nossa capacidade de decidir conforme nosso entendimento, e é dele que vem o mal. Deus nos criou independentes para que pudéssemos decidir por nossa vontade e através de nossa liberdade escolher o bem e não o mal. Quando o homem escolhe o mal ele se afasta de Deus.



Sentenças:

- Ame e faça o que quiser.

- Se não existir caridade não existe justiça.

- A suspeita é o veneno da amizade.

- Quem se casa está bem, quem não se casa está melhor.

- O mundo é um livro e quem não viaja lê somente uma página.

- Quem canta reza duas vezes.

- Com caridade o pobre é rico, sem caridade o rico é pobre.

- Errar é humano, continuar no erro é diabólico.

- A ignorância é a mãe da admiração.

- A medida do amor é amar sem medida.

- Os ociosos caminham lentamente e por isso os vícios os alcançam.

- Dai-me a castidade, mas não agora.

- No interior de todo homem existe Deus.





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Edições

Agostinho - Contra Académicos.Coimbra.Atlantida.1957

Agostinho - Confissões. Porto. Liv.Apost. da Imprensa. 1955 (Exista uma edição recente da IN-CM, em Lisboa).

Agostinho - A Cidade de Deus. 3 Vols. Lisboa. Fundação Calouste Gulbenkian.

Agostinho - O Mestre. Braga. Fac.de Filosofia de Braga.1982.

Agostinho - Diálogo sobre a Felicidade. Lisboa.Edições 70.

Agostinho - Diálogo sobre a Ordem. Lisboa.IN-CM.2000

Agostinho - Livros do Sililóquio. Lisboa.CEF-UL/Liv.Sá da Costa.1957

Agostinho - Solilóquios e Vida Feliz.São Paulo.Paulus.

Agostinho - O Livre Arbítrio. Braga.FFB

Agostinho - A Trindade. São Paulo.Paulus.2000

Agostinho - Comentário aos Salmos (S. 1-50, S.51-100, S.-101-150). 3 vols. São Paulo. Paulus.

Agostinho - A Verdadeira Religião - Cuidado Devido aos Mortos. São Paulo. Paulus.

Agostinho - A Doutrina Cristã. São Paulo. Paulus.

Agostinho - Comentário à 1ª. Carta de S. João. São Paulo. Paulus.

Agostinho - Cartas (11,102, 120, 130).São Paulo.Paulus.1987

Agostinho - A Virgem Maria (Selecção de Textos).São Paulo. Paulus.

Agostinho - A Graça. 2 Vols. São Paulo. Paulus.

Agostinho - Sobre a Potencialidade da Alma. Petrópolis. Vozes

Agostinho - Dos Bens do Matrimónio. São Paulo.Paulus.2001.



Notas e referências

1. ↑ Wells, J.. Longman Pronunciation Dictionary. 2 ed. New York: Longman, 2000.

2. ↑ The American Heritage College Dictionary. Boston: Houghton Mifflin Company, 1997. pag. 91.

3. ↑ Cross, Frank L.; Livingstone, Elizabeth. The Oxford Dictionary of the Christian Church. Oxford Oxfordshire: Oxford University Press, 2005. Cap. Platonism,

4. ↑ TeSelle, Eugene. Augustine the Theologian. London: [s.n.], 1970. pag. 347-349. March 2002 edition: ISBN 1-57910-918-7.

5. ↑ Durant, Will. Caesar and Christ: a History of Roman Civilization and of Christianity from Their Beginnings to A.D. 325. New York: MJF Books, 1992.

6. ↑ Wilken, Robert L.. The Spirit of Early Christian Thought. New Haven: Yale University Press, 2003. pag. 291.

7. ↑ Archimandrite [now Archbishop] Chrysostomos. "Book Review: The Place of Blessed Augustine in the Orthodox Church". Orthodox Tradition II: 40-43. Página visitada em 28 de junho de 2007.

8. ↑ "'Abençoado', aqui, não significa que ele é menos que um santo, porém é um título concedido a ele como sinal de respeito.""Blessed Augustine of Hippo: His Place in the Orthodox Church: A Corrective Compilation". Orthodox Tradition XIV: 33-35. Página visitada em 28 de junho de 2007.

9. ↑ a b c d e f g h i j k AGOSTINHO DE HIPONA. Confissões. Trad. J. Oliveira Santos e A. Ambrósio de Pina; “Vida e obra” por José Américo Motta Pessanha. São Paulo: Nova Cultural, 1999. 416 p. (Coleção Os pensadores). Original latim. ISBN 85-13-00848-6.

10. ↑ a b Besen, José Artulino. Agostinho e os Pais do Ocidente. Página visitada em 21 de maio de 2009.

Bibliografia

DILMAN, Ilham. Free will: an historical and philosophical introduction. Florence, KY, USA: Routledge, 1999. LUCENA, Elisa. O problema do mal em Agostinho. Disponível em: . Acesso em: 9 de maio de 2009.

MORAES NETO, Felipe José de; SIMÕES, Adelson Cheibel. O livre-arbítrio e a relação com o Criador, no Livro III, da obra O Livre-Arbítrio de Santo Agostinho. Disponível em: . Acesso em: 9 de maio de 2009

Fontes

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Petrópolis, RJ: Ed. Vozes, 2005.

AGOSTINHO, Santo. A Trindade. São Paulo: Paulus, 1995. (Patrística, 7).

AGOSTINHO, Santo. Confissões. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Coleção Os Pensadores).



Referências

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MORROU, Henri-Irénée. Santo Agostinho e o Agostinismo. Rio de Janeiro: Ed. Agir, 1957.

PAIVA, Hugo de V. introdução. In: AGOSTINHO, Santo. A Instrução dos Catecúmenos:

Teoria e Prática da Catequese. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes, 2005.

PEREIRA MELO, José Joaquim. A Educação, Em Santo Agostinho. Luzes Sobre a Idade

Média. Terezinha de Oliveira (org.) Maringá: EDUEM, 2002.

PESSANHA, José A. Mota. Vida e Obra. In: Confissões. São Paulo: Nova Cultural, 1999.

(Coleção os Pensadores).

RANKE-HEINEMANN, Uta. Eunucos pelo Reino de Deus: Mulheres, sexualidade e a

Igreja Católica. 4ª ed. Rio de Janeiro: Record, Rosa dos Tempos, 1999.

SIQUEIRA ABRÃO, Bernadette. História da Filosofia. São Paulo: Nova Cultural, 1999